sexta-feira, 30 de abril de 2010

Coração
Mario Quintana

Coração que bate-bate,
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Se estou só, quero não estar,
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.

Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.

A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada

Fernando Pessoa
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa

terça-feira, 27 de abril de 2010

Três Amores
Mario Quintana

Três amores... Quem me deu
Tão estranha sorte assim?
Três amores, tenho-os eu
E nenhum me tem a mim!
Êxtase
Luna

Ficar assim suspensa ouvindo o oceano
o vai e vem ritmado das ondas
em dueto com o canto triste das gaivotas
ficar assim... entre o céu e o mar profundo
como se nada mais existisse
nesse mundo...
Canção Quase Inquieta
Cecília Meireles

De um lado, a eterna estrela,
e de outro a vaga incerta,
meu pé dançando pela
extremidade da espuma,
e meu cabelo por uma
planície de luz deserta.

Sempre assim:
de um lado, estandartes de vento...
- do outro, sepulcros fechados.
E eu me partindo, dentro de mim,
para estar no mesmo momento
de ambos os lados.

Se existe a tua Figura,
se és o sentido do Mundo,
deixo-me, fujo de ti,
nunca mais quero ser minha!

(Mas, neste espelho, no fundo
Desta fria luz marinha,
Como dois baços peixes,
Nadam meus olhos à minha procura...
Ando contigo - e sozinha.
Vivo longe – e acham-me aqui...)

Fazedor da minha vida,
não me deixes!
Entende a minha canção!
Tem pena do meu murmúrio,
Reúne-me em tua mão!

Que eu sou gota de mercúrio,
dividida,
Desmanchada pelo chão...

domingo, 25 de abril de 2010

Quando
Luna

Quando morrer a ultima estrela
no teto azul da manhã
e a espuma do mar vier banhar os nossos corpos
ainda adormecidos do amor
quando os primeiros ventos do outono
atravessarem as rendas do horizonte
rasgando as ultimas sombras da madrugada
sobre a maré cheia
te cobrirei de conchas e sargaços
para que o mar não te leve de mim,
como levou os castelos que ergui na areia
sem se importar com os meus medos e cansaços.
Te amei e amei minha fantasia
Amei de novo e amei a nossa estréia
Amei meu próprio amor e amei a tua audácia
Te amei muito e pouco e comovidamente
Amei a história construída, os ritos e os porquês
Te amei no invisível e no inaudível
Amei no crível e no incrível
Amei ser dona e te amei freguês
Te amei e amei a farsa arquitetada
Amei o nosso caso e amei a nossa casa
Amei a mim, amei a ti, parti-me ao meio
Te amei no profundo, no raso e com atraso
Não era tua hora, não era a minha vez.

Martha Medeiros

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Prece
JG de Araújo Jorge

Bendita sejas tu em meu caminho!
Bendita sejas tu, pela coragem
com que fizeste de um amor selvagem
esse amor que se humilha ao teu carinho!

Bendita sejas, porque a tua imagem
suaviza toda angústia e todo espinho...
Já não maldigo a insipidez da viagem,
nem me sinto só, nem vou sozinho...

Bendita sejas tantas vezes quantas
são as aves no céu; e são as plantas
na terra; e são as horas de emoção

em que juntos ficamos, de mãos dadas,
como se nossas vidas irmanadas
vivessem por um mesmo coração!

terça-feira, 20 de abril de 2010

A Viagem
Mario Quintana

Quando passei o Cabo das Tormentas
As sereias seguiram-me... E o seu canto
Nunca fora, meu Deus, tão aliciante...
Até acreditei, num breve instante,
Que por algum milagre a nau transviada
Viesse acaso sonâmbula voltando
Às praias luminosas da alvorada...
Mas, ai de mim, esses enganos são
Pesadelos de luz! Antes o escuro, o sossegado
Sono... Mas uma voz: — Que dizes, nosso amor?
Ainda que nos escutes a teu lado,
Nós cantamos sempre no Futuro!
A Árvore dos Poemas
Mario Quintana

Quando a árvore dos poemas não dá poemas,
Seus galhos se contorcem todos como mãos de enterrados vivos,
Os galhos desnudos, ressecos, sem o perdão de Deus!
E, depois, meu Deus, essa lenta procissão de almas retirantes...
De vez em quando uma tomba, exausta à beira do caminho
Porque ninguém lhe chega ao lábio o frescor de cântaro,
A doçura de fruto que poderia haver num poema.
Maldita a geração sem poetas que deixa as almas seguirem.
Seguirem como animais em estúpida migração!
Quando a árvore dos poemas não dá poemas,
Qual será o destino das almas?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Gata Angorá
JG de Araújo Jorge

Sobre a almofada rica e em veludo estofada
caprichosa e indolente como uma odalisca
ela estira seu corpo de pelúcia, - e risca
um estranho bordado ao centro da almofada...

Mal eu chego, ela vem... (nunca a encontrei arisca)
-sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada
como uma pluma solta, pelo chão deixada,
e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca!

Mal eu chego, ela vem... lânguida, preguiçosa,
Roçar pelos meus pés a pelúcia prata,
como a implorar carícias, tímida e medrosa...

E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer,
- que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata
traz no corpo escondida uma alma de mulher!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Em Busca do Amor
Florbela Espanca

O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar.”

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando ...
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando ...

Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu ... olhou ... e riu ...

Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados ...
E eu paro a murmurar: “Ninguém o viu! ...”
Deixai Entrar a Morte
Florbela Espanca

Deixai entrar a Morte, a Iluminada,
A que vem pra mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como asas a bater em revoada.

Quem sou eu neste mundo?A deserdada,
A que prendeu nas mãos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar,
E que, ao abri-las, não encontrou nada!

Ó Mãe! Ó minha Mãe, pra que nasceste?
Entre agonias e em dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxeste

Pra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lírio que em má hora foi nascido!...
Longe, Meus Amores
Cecília Meireles

Longe, meus amores,
Tranqüila, guardei-os.
Às vezes, me ocorre:
Serão meus, ou alheios?

(A rosa em seu ramo,
o ouro, nos seus veios:
- quem é dono certo,
dono e sem receios?)

Ah, belos amores,
Sem fins e sem meios...
Hei de amar-vos menos,
Por serdes alheios?

Guardei meus amores.
Perdi-os? Salvei-os?
- Minhas mãos, vazias.
E meus olhos, cheios.

Mais doce é o deserto,
Para os meus recreios.
Em tempo de morte,
Que importam amores,
Nossos ou alheios?
Poeminha Sentimental
Mario Quintana

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O Visitante Matinal
Mario Quintana

Para que nomes? Era azul e voava...
Triste
JG de Araújo Jorge

Eu hoje acordei triste, - há certos dias
em que sinto esta mesma sensação,
e não sei explicar, qual a razão
porque as mãos com que escrevo estão tão frias...

E pergunto a mim mesmo: - tu não rias
ainda ontem tão feliz? ... Diz-me então
por que sentes pulsar teu coração
destoando das humanas alegrias?...

E, nem eu sei dizer por que estou triste ...
Quem me olha não calcula com certeza,
o imenso caos que no meu peito existe ...

A tristeza que eu sinto ninguém vê...
- E a maior das tristezas é a tristeza
que a gente sente sem saber por quê...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Receita de Olhar
Roseana Murray

Nas primeiras horas da manhã
desamarre o olhar
deixe que se derrame
sobre todas as coisas belas
o mundo é sempre novo
e a terra dança e acorda
em acordes de sol

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Adolescente
Mario Quintana

Adolescente, olha! A vida é bela!
A vida é bela... e anda nua...
Vestida apenas com o teu desejo.
Chove!
Mario Quintana

Chuva
Chuva
Chuva
Vontade
Chuva
De fazer não sei bem o que seja
Vontade de escrever Sagesse, de Verlaine
E a tarde gris, tão viúva,
Vai derramando perene-
mente as suas lágrimas de chuva
Abundantes
Como lágrimas de fita cômica
Cômica
Cômica

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Poças D’Água
Mario Quintana

As poças d’água são um mundo mágico
Um céu quebrado no chão
Onde em vez das tristes estrelas
Brilham os letreiros de gás Neon.

terça-feira, 6 de abril de 2010

As Ruazinhas
Mario Quintana

Eu amo de um amor que jamais poderei expressar
Essas pequenas ruas com suas casas de portas e janelas,
Ruas tão nuas
Que os lampiões fazem às vezes de álamos,
Com toda a vibratilidade dos álamos, petrificada nos troncos imóveis de ferro,
Ruas que me parecem tão distantes
E tão perto
A um tempo
Que eu as olho numa triste saudade de quem já tivesse morrido,
Ruas como as que a gente vê em certos quadros,
Em certos filmes:
Meu Deus, aquele reflexo, à noite, nas pedras irregulares do calçamento,
Ou a ensolarada miséria daquele muro a perder o reboco...
Para que eu vos ame tanto
Assim
Minhas ruazinhas de encanto e desencanto,
É que expressais alguma coisa minha...
Só para mim!
Hai-Kai de Primavera
Mario Quintana

Tua orelha num frêmito desnuda-se:
O que seria
O que seria que te disse o vento?!

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Uma Canção de Beber
William Butler Yeats

O vinho entra pela boca
E o amor, por nosso olhar;
Eis toda a verdade que saberemos
Antes de envelhecer e acabar.
Ergo o copo até minha boca,
E olho pra ti, a suspirar.


O Sótão
Luna

Eu já morei num sótão
eu, um coelho e um beija-flor.
Era incrível abrir a janela de manhã
e encontrar plumas de passarinho
mariposas... restos de ninho
asas de borboletas
ou um pombo adormecido
num vaso de violetas.

sábado, 3 de abril de 2010

O Gato
Mario Quintana

O gato chega à porta do quarto onde escrevo.
Entrepara... hesita...avança...

Fita-me.
Fitamo-nos.

Olhos nos olhos...
Quase com terror!

Como duas criaturas incomunicáveis e solitárias
Que fossem feitas cada uma por um Deus diferente.