sábado, 31 de outubro de 2009


Das Utopias
Mario Quintana


Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!

Arte de Fumar
Mario Quintana

Desconfia dos que não fumam: esses não tem vida
interior, não tem sentimentos.
O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar...
O Milagre
Mario Quintana


Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia...
E do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto...
Dias mágicos... em que os burgueses espiam,
através das vidraças dos escritórios, a graça
gratuita das nuvens...

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O término da nossa relação
foi pra mim um choque térmico
não senti mais teu calor
nunca te vi tão frio.

Martha Medeiros

Desterro
Olavo Bilac

Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho...
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delírio! Adeus, belo corpo adorado!

Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meio do caminho...
Beijo-te inda uma vez, num último carinho,
Como quem vai sair da pátria desterrado...

Adeus, corpo gentil, pátria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!

Adeus! Esse outro amor há de amargar-me tanto
Como o pão que se come entre estranhos, no exílio,
Amassado com fel e embebido de pranto...

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Voz da Noite
Helena Kolody


O sol se apaga.
De mansinho,
A sombra cresce.

A voz da noite
Diz baixinho:
Esquece... esquece...

Não tenho mais idade
pra brincar de esconde-esconde
vem me pegar

Martha Medeiros
Me recuso a dar informações
sobre o paradeiro das minhas idéias malditas
elas se escondem bem demais

só eu sei o caminho só eu sei
em quem dói mais


Martha Medeiros

Entusiasmo
Cecília Meireles

Por uns caminhos extravagantes,
irei ao encontro desses amores
-por que suspiro – distantes.

Rejeito os vossos, que são de flores.
Eu quero as vagas, quero os espinhos
e as tempestades, senhores.

Sou de ciganos e de adivinhos.
Não me conformo com os circunstantes
e a cor dos vossos caminhos.

Ide com os zoilos e os sicofantes.
Mas respeitai vossos adversários
que não querem ser triunfantes.

Vou com sonâmbulos e corsários,
poetas, astrólogos e a torrente
dos mendigos perdulários.

E cantamos fantasticamente,
pelos caminhos extravagantes,
para Deus, nosso parente.

Distância
Cecília Meireles

Quando o sol ia acabando
e as águas mal se moviam,
tudo que era meu chorava
da mesma melancolia.

Outras lágrimas nasceram
com o nascimento do dia:
só de noite esteve seco
meu rosto sem alegria.

(Talvez o sol que acabara
e as águas que se perdiam
transportassem minha sombra
para a sua companhia...)

Oh! mas nem no sol nem nas águas
os teus olhos a veriam...
— que andam longe, irmãos da lua,
muito clara e muito fria...


Canções do Mundo Acabado
Cecília Meireles


Meus olhos andam sem sono,

semente por te avistarem
de uma tão grande distância.

De altos mastros ainda rondo

uma lembrança nos ares.
O resto é sem importância.

Certamente não há nada
de ti, sobre este horizonte,

desde que ficaste ausente

Mas é isso que me mata

sentir que estás não sei onde,
mas sempre na minha frente.


ll

Não acredites em tudo

que disser a minha boca
sempre que te fale ou cante.

quando não parece, é muito,
quanto é muito, é muito pouco,
e depois nunca é bastante...

Foste com o mundo sem ternura

em cujas praias morreram
meus desejos em ser tua.

A água salgada me escuta

e mistura nas areias
meu pranto e o pranto da lua

Penso no que tu me dizias,

e como falavas,e como te rias...
Tua voz mora no mar.
A mim não fizeste rir
e nunca viste chorar

(Porque o tempo sempre foi
Longo para me esqueceres

e curto para te amar.)

terça-feira, 27 de outubro de 2009


Mentiras
Florbela Espanca

"Ai quem me dera uma feliz mentira,
Que fosse uma verdade para mim!"
J.Dantas

Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar poisa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito teu?

Ai, se o sei, meu amor! Eu bem distingo
O bom sonho da feroz realidade...
Não palpita d'amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais,
O gelo do teu peito de granito...

Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!

domingo, 25 de outubro de 2009

Envelhecer
Mario Quintana


Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.


O Mais Que Perfeito
Vinicius de Moraes


Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(Comum, embora...)
Ah, quem me dera ir-me!

Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!

Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah, quem me dera ver-te!

Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...

sábado, 24 de outubro de 2009

Toada do Amor
Carlos Drummond de Andrade


E o amor sempre nessa toada:
briga perdoa perdoa briga.
Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar.
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,
No teu pito está o infinito.
Canção de Muito Longe
Mario Quintana


Foi-por-cau-as-do-bar-quei-ro

E todas as noites, sob o velho céu arqueado de bugigangas,
A mesma canção jubilosa se erguia.

A canooôavirou
Quemfez elavirar? Uma voz perguntava.

Os luares extáticos...

A noite parada...

Foi por causa do barqueiro,
Que não soube remar.

Quinze Anos
Paulo Setúbal

Vestido claro, sombrinha,
Fitas de cor no chapéu,
Ei-la que vai, pequenininha,
Como uma nuvem do céu.

O colo é branco, de neve.
Os dentes brancos e sãos.
A cinturinha tão breve
Que a gente abarca entre as mãos.

Não sei que cor, que palheta,
Possa, ao de leve, compor
A espiritual silhueta
Desses quinze anos em flor.

Doce, gentil, tentadora,
Fragílimo bibelot,
Lembra uma fina pastora
Das pastorais de Watteau.

Alma em botão, menina e moça,
Lindo primor de biscuit,
É a bonequinha de louça
Mais singular que eu já vi.

Tem ela, como dois tesouros,
Estes caprichos tafuis:
Só gosta de moços louros,
Só ama os olhos azuis.

Lá vai... E some á distância
O encanto do seu perfil.
Mas vai com tanta elegância,
É tão jovial, tão gentil,

Tão pluma, tão borboleta,
Que a gente, sem o supor,
Fica a sonhar na silhueta
Desses quinze anos em flor...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009


Triste Passeio
Florbela Espanca

Vou pela estrada, sozinha.
Não me acompanha ninguém.
- Num atalho, em voz mansinha:
"Como está ele? Está bem?"

É a toutinegra curiosa;
Há em mim um doce enleio...
Nisto pergunta uma rosa:
"Então ele? Inda não veio?"

Sinto-me triste, doente...
E nem me deixam esquecê-lo!...
Nisto o sol impertinente:
"Sou um fio do seu cabelo..."

Ainda bem. É noitinha.
Enfim já posso pensar!
Ai, já me deixam sozinha!
De repente, oiço o luar:

"Que imensa mágoa me invade,
Que dor o meu peito sente!
Tenho uma enorme saudade!
De ver o teu doce ausente!"

Volto a casa. Que tristeza!
Inda é maior minha dor...
Vem depressa. A natureza
Só fala de ti, amor!

Carta Para Longe
Florbela Espanca

O tempo vai um encanto,
A Primavera 'stá linda,
Voltaram as andorinhas...
E tu não voltaste ainda!...

Porque me fazes sofrer?
Porque te demoras tanto?
A Primavera 'stá linda...
O tempo vai um encanto...

Tu não sabes, meu amor,
Que, quem 'spera, desespera?
O tempo está um encanto...
E, vai linda a Primavera...

Há imensas andorinhas;
Cobrem a terra e o céu!
Elas voltaram aos ninhos...
Volta também para o teu!...

Adeus. Saudades do sol,
Da madressilva e da hera;
Respeitosos cumprimentos
Do tempo e da Primavera.

Mil beijos da tua q'rida,
Que é tua por toda a vida.

Doce Milagre
Florbela Espanca

O dia chora. Agonizo
Com ele meu doce amor.
Nem a sombra dum sorriso,
Na Natureza diviso,
A dar-lhe vida e frescor!

A triste bruma, pesada,
Parece, detrás da serra
Fina renda, esfarrapada,
De Malines, desdobrada
Em mil voltas pela terra!

(O dia parece um réu.
Bate a chuva nas vidraças.)

As avezitas, coitadas,
'Squeceram hoje o cantar.
As flores pendem, fanadas
Nas finas hastes, cansadas
De tanto e tanto chorar...

O dia parece um réu.
Bate a chuva nas vidraças.
É tudo um imenso véu.
Nem a terra nem o céu
Se distingue. Mas tu passas...

E o sol doirado aparece.
O dia é uma gargalhada.
A Natureza endoidece
A cantar. Tudo enternece
A minh'alma angustiada!

Rasgam-se todos os véus
As flores abrem, sorrindo.
Pois se eu vejo os olhos teus
A fitarem-se nos meus,
Não há de tudo ser lindo?!

Se eles são prodigiosos
Esses teus olhos suaves!
Basta fitá-los, mimosos,
Em dias assim chuvosos,
Para ouvir cantar as aves!

A Natureza, zangada,
Não quer os dias risonhos?...
Tu passas... e uma alvorada
Pra mim abre perfumada,
Enche-me o peito de sonhos!


quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Dia de Chuva
Cecília Meireles


As espumas desmanchadas
sobem-me pela janela,
correndo em jogos selvagens
de corça e estrela.

pastam nuvens no ar cinzento:
bois aéreos, calmos, tristes,
que lavram esquecimento.


Velhos telhados limosos
cobrem palavras, armários,
enfermidades, heroísmos...

Sonho
Olavo Bilac

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!

Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.

Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, aparecer à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa...

quarta-feira, 21 de outubro de 2009


Que o amor me possa dar tudo que espero:
a cálida manhã, o aflito, esquivo
carinho, que se faça mais sincero
quanto o meu corpo reclamá-lo vivo...

Que me dê a alegria de uma infância
molhada de um abril fresco e macio.
Que me traga um perfume de distância,
de frutos, flores, sombras quentes, frio...

Que o amor me seja a luz doendo em lentas
oscilações de adeus na montanha...
Que o amor me seja a escada, o meu pomar,

o pouso, as madrugadas friorentas,
o corpo claro, a voz, a febre estranha,
e o reino, e o reino para além do mar...


Alphonsus de Guimarães Filho

Sonetos da Ausência XII
Alphonsus de Guimaraens Filho

Não te desejo mais pela amargura
nem pelas alegrias inconstantes:
quero beijar nas tuas mãos distantes
o amor que me alivia e transfigura.

Quero, sonhando a adolescência pura
no teu corpo febril, das mãos amantes,
colher nos ventos tudo quanto dantes
ambicionara em sedes de loucura.

Quero o teu riso, o teu silêncio, a graça
do teu vestido ao vento, o andar sereno
de ave marinha pelas madrugadas.

Quero colher em ti o que não passa
e pulsa em mim como o teu leve aceno
na distância impossível das estradas.

O Teu Olhar
Florbela Espanca

Quando fito o teu olhar,
Duma tristeza fatal,
Dum tão íntimo sonhar,
Penso logo no luar
Bendito de Portugal!

O mesmo tom de tristeza,
O mesmo vago sonhar,
Que me traz a alma presa
Às festas da Natureza
E à doce luz desse olhar!

Se algum dia, por meu mal,
A doce luz me faltar
Desse teu olhar ideal,
Não se esqueça Portugal
De dizer ao seu luar

Que à noite, me vá depor
Na campa em que eu dormitar,
Essa tristeza, essa dor,
Essa amargura, esse amor,
Que eu lia no teu olhar!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sempre Madrugada
Helena Kolody


Para quem viaja ao encontro do sol,
É sempre madrugada.
Coração Apaixonado

Bate... Bate forte
Coração apaixonado
Bate ao ritmo deste
amor intenso.
Invada-me por inteira
E mande forças
ao meu viver!

Ana Beatriz Nascimento

Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!

Não me fales das lágrimas perdidas,
Não me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!

Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? Que importa,

Se ainda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!

Olavo Bilac

Derradeira Saudade
Paulo Setúbal

Paixão fugaz... Ventura passageira...
Rosa que não colhemos da roseira,
Mas que esteve, no galho, ao nosso alcance.
Ah! Quanta vez, num desespero mudo,
Eu quedo-me a cismar naquilo tudo,
Que encheu de sol nosso cruel romance!

Bendigo ainda os beijos que maldizes,
Que abriram na minh’alma cicatrizes,
Que encheram de ambrosias nossa boca;
Só me consola, nesta dor pungente,
Lembrar que te adorei perdidamente,
Lembrar que me adoraste como louca!

Mudaste muito, eu sei... Mas, com certeza,
Nas horas de saudade e de tristeza,
Em que a alma chora e o coração nos trai,
Hás de pensar em mim de quando em quando,
Com lágrimas nos olhos relembrando
- Toda essa história que tão longe vai!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009


Junquilhos
Florbela Espanca

Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh'alma apaixonada
Nas folhas perfumadas duma flor.

E como a alma, dessa florzita,
Que é a minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!

Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu'inda existe...

Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde,
Que venha aquecer-se ao brando lume
Dos meus olhos que morrem de saudade!

Mater
Olavo Bilac

Tu, grande Mãe!... do amor de teus filhos escrava,
Para teus filhos és, no caminho da vida,
Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava
À longe Terra Prometida.

Jorra de teu olhar um rio luminoso.
Pois, para batizar essas almas em flor,
Deixas cascatear desse olhar carinhoso
Todo o Jordão do teu amor.

E espalham tanto brilho as asas infinitas
Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,
Que o seu grande clarão sobe, quando as agitas,
E vai perder-se entre as estrelas.

E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,
Fogem da humana dor, fogem do humano pó,
E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,
Que é como a escada de Jacó.

Incontentado
Olavo Bilac

Paixão sem grita, amor sem agonia,
Que não oprime nem magoa o peito,
Que nada mais do que possui queria,
E com tão pouco vive satisfeito...

Amor, que os exageros repudia,
Misturado de estima e de respeito,
E, tirando das mágoas alegria,
Fica farto, ficando sem proveito...

Viva sempre a paixão que me consome,
Sem uma queixa, sem um só lamento!
Arda sempre este amor que desanimas!

Eu, eu tenha sempre, ao murmurar teu nome,
O coração, malgrado o sofrimento,
Como um rosal desabrochado em rimas.

domingo, 18 de outubro de 2009


Os Meus Versos
Florbela Espanca

Leste os meus versos? Leste? E adivinhaste
O encanto supremo que os ditou?
Acaso, quando os leste, imaginaste
Que era o teu esse olhar que os inspirou?

Adivinhaste? Eu não posso acreditar
Que adivinhasses, vês? E até, sorrindo.
Tu disseste para ti: "Por um olhar
Somente, embora fosse assim tão lindo.

Ficar amando um homem!... Que loucura!"
- Pois foi o teu olhar; a noite escura,
(Eu só a ti digo, e muito a medo...)

Que inspirou esses versos! Teu olhar
Que eu trago dentro d'alma a soluçar!
Aí não descubras nunca o meu segredo!

sábado, 17 de outubro de 2009


Além da Terra, Além do Céu
Carlos Drummond de Andrade


Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Há no firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.

Quase maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.

Não sei o que faço,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.

Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
‘stou no meu olvido...
dorme, coração...


Fernando Pessoa


Sete Anos de Pastor Jacó Servia
Luís Vaz de Camões


Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: “Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida”.


Alma Minha Gentil Que te Partiste
Luís Vaz de Camões


Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma coisa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.

Transit
Artur Azevedo

Tu és dona de mim, tu me pertences,
e, nesse delicioso cativeiro,
não queres crer que, ingrato e bandoleiro,
possa eu noutra pensar, ou noutro penses.

Doce cuidado meu, não te convences
de que tudo na terra é passageiro,
frívolo, fútil, rápido, ligeiro,
e a pertinácia do erro teu não vences!

Num belo dia - hás de tu ver - desaba
esta velha afeição, funda e comprida,
que tanta gente nos inveja e gaba...

Choras? Para que lágrimas, querida?
Naturalmente o amor também se acaba,
como tudo se acaba na vida.

A Companheira
Mario Quintana

A lua parte com quem partiu e fica com quem ficou.
E, pacientemente, consoladoramente,
aguarda os suicidas no fundo do poço.

A Alma e o Baú
Mario Quintana

Tu que tão sentida e repetida e voluptuosamente
te entristeces e adoeces de ti,
é preciso rasgar essas vestes de dó,
as penas é preciso raspar com um caco, uma
por uma: são
crostas...
E sobre a carne viva
nenhuma ternura sopre.
Que ninguém acorra.
Ninguém, biblicamente, com os seus bálsamos e olores...
Ah, tu com as tuas cousas e lousas, teus badulaques.
teus ais ornamentais, tuas rimas,
esses guizos de louco...
A tua alma (tua?) olha-te, simplesmente.
Alheia e fiel como um espelho.
Por supremo pudor, despe-te. Despe-te, quanto mais
nu mais tu,
despoja-te mais e mais.
Até à invisibilidade.
Até que fiquem só espelho contra espelho
num puro amor isento de qualquer imagem.
– Mestre, dize-me... e isso tudo valerá acaso a perda
de meu baú?

quinta-feira, 15 de outubro de 2009


Soneto da Fidelidade
Vinícius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Anoitecer
Helena Kolody

Amiúdam-se as partidas...
Também morremos um pouco
No amargor das despedidas.

Cais deserto, anoitecemos
Enluarados de ausência.
Fica combinado assim
você louco por mim
eu louca até o fim

Martha Medeiros
A juíza das minhas loucuras
é severa demais pra me inocentar

não cobra depoimentos
nem sopra os ferimentos da tortura

simplesmente decreta pra minha culpa
prisão domiciliar

Martha Medeiros
Pé Ante Pé
Mario Quintana

Vêm todos caminhando na ponta dos pés.
Alguém morreu? Não. É mais fundo o mistério...
Chegam todos, agora, na ponta dos pés,
Para vê-lo dormir o primeiro soninho!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009


He Hum Não Querer Mais Que Bem Querer
(Camões)
IV
Florbela Espanca

És tu! És tu! Sempre vieste, enfim!
Oiço de novo o riso dos teus passos!
És tu que eu vejo a estender-me os braços
Que Deus criou pra me abraçar a mim!

Tudo é divino e santo visto assim...
Foram-se os desalentos, os cansaços...
O mundo não é mundo: é um jardim!
Um céu aberto: longes, os espaços!

Prende-me toda, Amor, prende-me bem!
Que vês tu em redor? Não há ninguém!
A Terra? - Um astro morto que flutua...

Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente,
Tudo o que é vida e vibra eternamente
É tu seres meu, Amor, e eu ser tua!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Depois da Chuva
Miguel Torga

Abre a janela, e olha!
Tudo o que vires é teu.
A seiva que lutou em cada folha,
E a fé que teve medo e se perdeu.

Abre a janela e colhe!
É o que quiser a tua mão atenta:
Água barrenta,
Água que molhe
Água que mate a sede...

Abre a janela, quanto mais não seja
Para que haja um sorriso na parede!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Tudo Esqueço
JG de Araújo Jorge

Tudo posso esquecer em minha vida
inquieta e livre como uma enxurrada:
- a ilusão, num segundo, mais querida...
- a mulher, num segundo, mais amada...

A visão de algum trecho azul da estrada
entre ternos carinhos percorrida;
- uma história que um dia interrompida
nunca mais afinal foi terminada!

Os desejos... os sonhos... os amores...
que julgo eternos, e que por enquanto
despetalam-se e morrem como flores...

Esqueço tudo! O que passou, morreu!
Só não consigo me esquecer no entanto
da primeira mulher que me esqueceu...

Tercetos
Olavo Bilac

I

Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

“Espera ao menos que desponte a aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho.
E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho!

Ouves? É o vento! É um temporal desfeito!
Não me arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade...
Espera! Até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava...
Espera um pouco! Deixa que amanheça!"

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.

II

E, já manhã, quando ela me pedia
Que de seu claro corpo me afastasse,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

“Não pode ser! Não vês que o dia nasce?
A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta...
Que diria de ti quem me encontrasse?

Ah! Nem me digas que isso pouco importa!...
Que pensariam, vendo-me, apressado,
Tão cedo assim, saindo a tua porta,

Vendo-me exausto, pálido, cansado,
E todo pelo aroma de teu beijo
Escandalosamente perfumado?

O amor, querida, não exclui o pejo.
Espera! Até que o sol desapareça,
Beija-me a boca! Mata-me o desejo!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava!
Espera um pouco! Deixa que anoiteça!”.

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.