quinta-feira, 26 de agosto de 2010

"De vez em quando eu vou ficar esperando você
numa tarde cinzenta de inverno, bem no meio duma praça,
então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você
e a minha voz vai querer dizer tanta,
mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme..."

Caio Fernando Abreu

domingo, 22 de agosto de 2010

Nos verões da minha infância
todas as tardes cheiravam
a flor de laranjeira....

Luna

Não quero a agitação
dos dias quentes de verão
prefiro a calmaria
e a brisa leve
de uma tarde fria...

Luna
Doce Cantar
Cecília Meireles

Tão liso está meu coração,
tão lisos, meus pensamentos,
que as lágrimas rolarão,
e os contentamentos.

Folhas verdes e encarnadas
tão lisas nunca serão
nem orvalhadas.

Nunca serão as espadas
lisas como meu coração,
mas grossas e enferrujadas.

E os meus pensamentos
nunca se compararão
nem luzes nem ventos.
Que as imagens e os momentos
rugas sempre são.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Eu me sinto às vezes tão frágil, queria me debruçar em alguém, em alguma coisa.
Alguma segurança.
Invento estorinhas para mim mesmo, o tempo todo, me conformo, me dou força.
Mas a sensação de estar sozinho não me larga.

Caio Fernando Abreu

Não sou para todos. Gosto muito do meu mundinho.
Ele é cheio de surpresas, palavras soltas e cores misturadas.
Às vezes tem um céu azul, outras tempestade.
Lá dentro cabem sonhos de todos os tamanhos.
Mas não cabe muita gente.
Todas as pessoas que estão dentro dele não estão por acaso.
São necessárias .. !

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Eu
Paulo Leminski

Eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora

quem está por fora
não segura
um olhar que demora

de dentro de meu centro
este poema me olha

domingo, 15 de agosto de 2010

"Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu... "

Caio Fernando Abreu

Desamparo
Cecília Meireles

Digo-te que podes ficar de olhos fechados sobre o meu peito,
porque uma ondulação maternal de onda eterna
te levará na exata direção do mundo humano.

Mas no equilíbrio do silêncio,
no tempo sem cor e sem número,
pergunta a mim mesmo o lábio do meu pensamento:

quem é que me leva a mim,
que peito nutre a duração desta presença,
que música embala a minha música que te embala,
a que oceano se prende e desprende
a onda da minha vida, em que estás como rosa ou barco...?
Sem Nome
Torquato da Luz

Nunca soube o teu nome nem preciso
de o saber, se inventei o paraíso
em cada gesto teu, em cada olhar,
e não há maior nome que o sorriso
com que sempre me acolhes ao chegar.

O que me interessa em ti não é o nome,
que certamente tens, mas eu não sei,
se tento apenas iludir a fome
que se apossou de mim e me consome
desde a primeira vez que te encontrei.

Ao nome que terás, seja qual for,
prefiro o que te chamo: meu amor.

sábado, 14 de agosto de 2010

O Silêncio
Eugénio de Andrade

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.
Variação
Álvaro Pacheco

As palavras que não foram ditas
o gesto imobilizado antes de nascer
o sorriso desfeito ao menor obstáculo...

Ah, é preciso ter coragem para ser feliz!
A Espera
Adalgisa Nery

Amado... Por que tardas tanto?
As primeiras sombras se avizinham
E as estrelas iniciam a noite.
Vem...
Pois a esperança que se acolheu em meu coração
Vai deixá-lo como um ninho abandonado nos penhascos.
Vem... Amado...
desce a tua boca sobre a minha boca
Para a tua alma levar a minha alma
Pesada de sofrimento!
Vem...
Para que, beijando a minha boca
Eu receba a sensação de uma janela aberta.
Amado meu...
Por que tardas tanto?
Vem...
E serás como um ramo de rosas brancas
Pousando no túmulo da minha vida...
Vem amado meu.
Por que tardas tanto?
Este e o Outro Lado
Mario Quintana

Tenho uma grande curiosidade do Outro Lado.
(Que haverá do Outro Lado, meu Deus?)
Mas também não tenho muita pressa...
Porque neste nosso mundo há belas panteras, nuvens, mulheres belas,
Árvores de um verde assustadoramente ecológico!
E lá - onde tudo recomeça -
Talvez não chova nunca,
Para a gente poder ficar em casa
Com saudades daqui...
Em Vão
Florbela Espanca

Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.

Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
A flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!

E eu quero bem a tudo, a toda a gente...
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!

E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flor a sombra dos meus passos!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Abat-Jour
Fernando Pessoa

A lâmpada acesa
(Outrem a acendeu)
Baixa uma beleza
Sobre o chão que é meu.

No quarto deserto
Salvo o meu sonhar,
Faz no chão incerto
Um círculo a ondear.

E entre a sombra e a luz
Que oscila no chão
Meu sonho conduz
Minha inatenção.

Bem sei ... Era dia
E longe de aqui...
Quanto me sorria
O que nunca vi!

E no quarto silente
Com a luz a ondear
Deixei vagamente
Até de sonhar...
Nel Mezzo del Camim...
Olavo Bilac

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
Há delicadas músicas de harpa e de cravo
E o sopro das flautas na noite
É longo, puro e azul.

Há delicadas músicas entre sedas e rosas,
E os olhos são claros, nas luzes,
E o lábio sabe sorrir.

Nós ouvimos os violoncelos densos, obscuros,
Carregado de parábolas graves,
Violoncelos de solidão.

Nós estávamos transidos na mocidade triste
Carregados já de uma velhice amarga,
Sabendo que íamos ficar

Com o coração para sempre fechado, secreto,
Como na caixa do violoncelo:
Apenas com o oceano oculto de nossa voz.

Cecília Meireles