sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Quadro Negro
Cecília Meireles

Depois que os teoremas ficam demonstrados,
quando as equações se tiverem transformado,
desenvolvido, revelado;
e o mistério das palavras estiver todo aberto em flores;

quando todos os nomes e números se acharem escritos
e supostamente compreendidos,
com vagaroso e leve movimento
o Professor passará uma silenciosa esponja
sobre as coisas escritas:

e nos sentiremos outra vez cegos,
sem podermos recordar o que julgávamos ter aprendido,
e que apenas entrevíramos,
com em sonho.

O Menino Azul
Cecília Meireles

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

quinta-feira, 28 de abril de 2011















  
Pequenina
Florbela Espanca

És pequenina e ris... A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa...
Haste de lírio frágil e mimoso!
Cofre de beijos feito sonho e neve...

Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te fez tão graciosa!
Que nesta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem à gente...
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores
Quando o teu nome diz, suavemente...

Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!
A bailarina era tão grande
como uma árvore caminhante;
e seus braços longos e brancos
tão fugitivos e flutuantes
como as nuvens filhas dos campos.

O giro de sua cintura
- rápida e fina como um fuso –
era de firmeza profunda
e fragilidade tão pura
como as do próprio eixo do mundo.

Oh! – o desdobramento amplo e calmo
de seus joelhos! O círculo alto
que o tênue pé determinava!
Limite da fluidez humana...
Límpido e implacável compasso...

Voava! – e logo se desfazia,
Num gesto de albatroz rendido.
E de novo aos ares a vida
arriscava, impotente e linda,
algemada ao peso inimigo.

E tão divinamente exata
vinha à terra e aos céus se elevava
que era tão grave o instante alado
como o da derrota no espaço
- mas ambos igualmente plácidos.

Ó bailarina, ó bailarina,
deusa da estreita geometria!
ó compasso, ó balanço, ó fio
de prumo, ó secreto algarismo,
primeiro e eterno número ímpar!

Alça o teu voo além da queda,
rompe os elos de espaço e tempo,
galga as obrigações da terra,
atira-te em música, ó seta,
e restitui-te em pensamento!

Cecília Meireles

sábado, 23 de abril de 2011

Avesso
Roseana Murray

Atravessaria um rio grosso
no meio da noite
para decifrar tuas pegadas,
o rastro luminoso dos teus olhos.

Atravessaria a superfície
silenciosa dos espelhos
para ver o teu avesso.

Caminharia sobre água
e fogo
para soletrar teu corpo.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Eu espalhei meus sonhos sob teus pés
Tivesse eu os tecidos bordados do céu,
Entremeados com a dourada e prateada luz,
O azul, o furta-cor e o escuro tecido

Da noite, do dia e da meia-luz,
Eu espalharia os tecidos sob teus pés.
Mas, sendo eu pobre, e tendo somente meus sonhos;

Espalhei meus sonhos sob teus pés;
Caminhe com cuidado pois caminhas
Sobre meus sonhos.

William Butler Yeats


terça-feira, 19 de abril de 2011





















Torre de Névoa
Florbela Espanca

Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu!…”

Calaram-se os poetas, tristemente…
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu!…




















Este Livro
Florbela Espanca

Este livro é de mágoas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblias tristes... Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades!
Livro de Sombras... Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!...

segunda-feira, 18 de abril de 2011


Quero asas de borboleta azul
para que eu encontre
o caminho do vento
o caminho da noite
a janela do tempo
o caminho de mim

Roseana Murray
Colcha de Retalhos
Luna

Qual colcha de retalhos
minha vida,
fui juntando os pedaços,
costurando...
um veludo...uma renda,
um pouco de cetim,
um paetê brilhando
ou coisa assim...
As vezes uma nesga de algodão,
um cânhamo puído
se esgarçando...
e um resto que sobrou da fantasia
de arlequim...
Caixinha Mágica
Roseana Murray

Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra
do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.
Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.

O que é que você quer
esconder na minha caixa?

quinta-feira, 14 de abril de 2011


















Eu,
modo de usar:

pode invadir ou chegar com delicadeza,
mas não tão devagar que me faça dormir

não grite comigo tenho o péssimo hábito de revidar
acordo pela manhã com ótimo humor
mas permita que eu escove os dentes primeiro

toque muito em mim, principalmente nos cabelos
e minta sobre minha nocauteante beleza

tenho vida própria, me faça sentir saudades,
conte umas coisas que me façam rir
mas não conte piadas
nem seja preconceituoso, não perca tempo
cultivando este tipo de herança dos seus pais

viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim
para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude

eu saio em conta, você não gastará muito comigo

acredite nas verdades que digo e também nas mentiras
elas serão raras e sempre por uma boa causa

respeite meu choro, me deixe sozinha
só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre
que eu também gosto de ser contrariada
(então fique comigo quando eu chorar, combinado)

seja mais forte que eu e menos altruísta

não se vista tão bem, gosto de camisa para fora da calça
gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço

reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto
boca, cabelos, os pelos no peito e um joelho esfolado
você tem que se esfolar às vezes, mesmo na sua idade

leia, escolha seus próprios livros, releia-os

odeie a vida doméstica e os agitos noturnos
seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate
que isto é coisa de gente triste

não seja escravo da televisão, nem xiíta contra
nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai

invente um papel pra você que ainda não tenha sido preenchido
e o invente muitas vezes, me enlouqueça uma vez por mês
mas me faça uma louca boa, uma louca que ache graça
e tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca

goste de música e de sexo, goste de um esporte não muito banal

não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa
apresentar sua família, isso a gente vê depois,se calhar

deixe eu dirigir o seu carro, aquele carro que você adora

quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres
tenha amigos e digam muitas bobagens juntos

não me conte seus segredos,me faça massagem nas costas
não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções, me rapte

se nada disso funcionar
experimente me amar

Martha Medeiros

terça-feira, 12 de abril de 2011

O Juramento
Rosa Hernández

Aconteceu
numa noite escura

Ele abraçou-me,
olhos banhados em lágrimas
e aos prantos,
pediu perdão pela partida,
e jurou que nunca,
nunca,
nunca,
jamais na vida,
apaixonaria-se por outra mulher...

segunda-feira, 11 de abril de 2011


Você pensa que nunca vai esquecer,
e esquece.
Você pensa que essa dor
nunca vai passar, mas passa.
Você pensa que tudo é eterno,
mas não é.

Clarice Lispector

domingo, 10 de abril de 2011














Não Sou a Das Águas Vista
Cecília Meireles

Não sou a das águas vista
nem a dos homens amada;
nem a que sonhava o artista
em cujas mãos fui formada.
Talvez em pensar que exista
vá sendo eu mesma enganada.

Quando o tempo em seu abraço
quebra meu corpo, e tem pena,
quanto mais me despedaço,
mais fico inteira e serena.
Por meu dom divino faço
tudo a que Deus me condena.

Da virtude de estar quieta
componho o meu movimento.
Por indireta e direta,
perturbo estrelas e vento.
Sou a passagem da seta
e a seta, - em cada momento.

Não digas aos que encontrares
que fui conhecida tua.
Quando houve nos largos mares
desenho certo de rua?
E de teres visto luares,
Que ousarás contar da lua?




















Mulher ao Espelho
Cecília Meireles

Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Há pouco estive chorando,
sem saber exatamente por quê.
Ás vezes odeio esta vida, estas paredes,
essas caminhadas de casa para a aula,
da aula para casa, esses diálogos vazios,
odeio até este diário,
que não existiria se eu não me sentisse tão só...

Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Elegia
Mario Quintana

Esta noite eu sonhei que tinha morrido criança
E os que vieram ver o corpo do pobre menino
Apenas sentiram um cheiro evanescente de chocolate
E de balas de coco...
E uma colherinha morta no chão!
Perdeu-se uma sacola de viagem
perto das nuvens, ao entardecer,
quem a encontrar, pede-se devolver
todos os meus sonhos estavam lá...

Luna
Instante Lírico Nº 4
Ives Gandra

Linda mulher abraçada,
De pé, sobre uma sacada
Muitas vezes secular.
As sombras pela avenida,
Refletindo, enternecida,
A soledade lunar.

Um rapaz acariciando
Seu rosto, de quando em quando,
E o mar dormindo distante.
Um passado, que se esquece,
No silêncio desta prece.
Serenidade do instante.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

"Tô me afastando de tudo
que me atrasa,
me engana,
me segura
e me retém.
Fui ser feliz,
e não volto!"

Caio Fernando Abreu

domingo, 3 de abril de 2011

"Quem você pensa que é?"
perguntou pra mim de queixo em pé...
Sou forte, fraca, generosa, egoísta, angustiada,
perigosa, infantil, astuta, aflita, serena, indecorosa,
inconstante, persistente, sensata e corajosa,
como é toda mulher, poderia ter respondido
mas não lhe dei essa colher. "

(Martha Medeiros)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

para a mãe que desabrocha, rosa
para a mãe que bem-me-quer, margarida
para a mãe que gosta de champanhe, tulipa
para a mãe que gosta de orquestra, orquídea
para a mãe que é um violão, violeta
para a mãe que não dorme, girassol
para a mãe que trabalha, sempre-viva
para a mãe que defende, boca-de-leão
para a mãe que é linda, lírios
para a mãe que gera, gerânios
para a mãe que ama, amor-perfeito
 
Martha Medeiros