quinta-feira, 31 de dezembro de 2009


Esperança
Mário Quintana

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009


O Lago Morto
Emily Brontë
(Tradução de Lúcio Cardoso)

O lago morto, o céu cinzento ao luar;
Pálida, lutando, coberta pelas nuvens,
A lua;
O murmúrio obstinado que cochicha e passa
(Dir-se-ia que tem medo de falar em alta voz).

Tão tristes agora,
Recaem sobre meu coração,
Onde a alegria morre como um rio deserto.

Minhas pobres alegrias...
Não as toqueis,
Floridas e sorridentes.

Lentamente, a raiz acaba de morrer.

Aí vem a primavera.
Já disse a estrela!

A primavera sem mancha.
Já o disse a rosa!

De glória, paixão e sol.
Já o disse a tua voz!

Juan Ramón Jiménez

É um sonho esta vida,
mas um sonho febril de um instante único.
Quando dele se acorda,
vê-se que tudo é só vaidade e fumo...
Oxalá fosse um sonho
bem profundo e bem longo,
um sonho que durasse até á morte!...
Eu sonharia com o meu e teu amor.


Gustavo Adolfo Bécquer

terça-feira, 29 de dezembro de 2009


Canção Azul
Mario Quintana

Triste, Poeta, triste a florzinha azul que sem querer pisaste
No teu caminho...
Miosótis, - disseste, inclinando um instante sobre ela.
E ela acabou de morrer, aos poucos, dentre a relva úmida.
Sem nunca ter sabido que se chamava miosótis.
Nem que iria impregnar, com o seu triste encanto,
O teu poema daquele dia...

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009


Canção de Outono
Mario Quintana


O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...

Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dolorido
De carícia a contrapelo...

Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma...
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009


No entardecer da terra
O sopro do longo Outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.

Soergue as folhas, e pousa
As folhas, e volve, e revolve,
E esvai-se inda outra vez.
Mas a folha não repousa,
O vento lívido volve
E expira na lividez.

Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E até do que hoje sou
Amanhã direi, quem dera
Volver a sê-lo!... Mais frio
O vento vago voltou.



Fernando Pessoa


A partir de amanhã não corro mais para atender o telefone
A caixa de fotos vou colocar na última prateleira do armário
Onde só alcançarei com muito esforço e escada
A partir de amanhã não abro mais o correio eletrônico
Nem vôo até a sua letra no alfabeto, não haverá encontro
Não passarei mais pela sua rua, a partir de amanhã
Nem na vizinhança, atalharei por outro bairro
Não há necessidade e meu coração não é de confiança
A partir de amanhã interrompo o surto e esqueço a placa do seu carro
Não há perigo de eu sonhar com você, a partir de amanhã
Não durmo mais, e as músicas que eu escutava, evitarei
Já não te velarei, a partir de amanhã saio de luto.


Martha Medeiros

sábado, 19 de dezembro de 2009


Estava frio lá fora, vi bem quando chegaste tremendo
E me adorando diferente, teu olhar parecia inédito e adolescente
Quase esqueceste onde ficava a cozinha, perguntaste pelo sal
Que sempre estivera no mesmo lugar, atrás do açúcar
E mexeste no meu cabelo com dedos virgens e curiosos
Não havia rugas no teu rosto, te surpreendi tranqüilo e familiar
O sofá te pareceu acolhedor, menos áspero, e percebeste um quadro
Onde sempre houve um quadro por ti despercebido
Nada mais te parecia opressor, não havia mais castração
Tuas emoções estavam livres, soltas e vingadas
Tua amante te trouxera de volta pra casa.

Martha Medeiros

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009


Acenda um fósforo em mim, não queima
Perfure com uma faca, não jorra
Cuspa na minha cara, não escorre
Quase nada me traz consequência
Não há aderência em gente que teima.


Martha Medeiros

Despedida ...
Cecília Meireles

"Vais ficando longe de mim
Como o sono, nas alvoradas;
Mas há estrelas sobressaltadas
Resplandecendo além do fim.

Bebo essas luzes com tristeza,
Porque sinto bem que elas são
O último vinho e o último pão
De uma definitiva mesa.

E olho para a fuga do mar,
E para a ascensão das montanhas,
E vejo como te acompanhas,
- para me desacompanhar.

As luzes do amanhecimento
Acharão toda a terra igual.
- Tudo foi sobrenatural,
sem peso de contentamento.

Sem noções do mal nem do bem,
- jogo de pura geometria,
que eu pensei que se jogaria,
mas não se joga com ninguém."



A Nossa Canção de Roda
Mario Quintana

A nossa canção de roda
tinha nada e tinha tudo
como a voz dos passarinhos

– mas que será que dizia?

A nossa canção de roda
era boba como a lua.
Mas a roda dispersou-se
cada qual perdeu seu par..
Agora,
nossos fantasmas meninos
talvez a cantem na lua...
talvez que junto a algum leito
a morte a esteja a cantar
como quem nana um filhinho...
A nossa canção de roda
tinha nada e tinha tudo:
era
uma girândola de vozes
chispando
mais lindas do que as estrelas
era uma fogueira acesa
para enganar o medo, o grande medo
que a Noite sentia
da sua própria escuridão.


Doce Certeza
Florbela Espanca

Por essa vida fora hás de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d'oiro fulgindo em muita boca!
 
Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d'oiro e risos de mulher,
Muito beijo d'amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer!..

Hás de tecer uns sonhos delicados...
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos !

Mas nunca encontrarás p' la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d'amor que são meus versos!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009


Saudade eu tenho do que não nos coube
lamento apenas o desconhecimento
daquilo que não deu tempo de repartir
você não saboreou meu suor
eu não lhe provei as lágrimas
é no líquido que somos desvendados
no gosto das coisas o amor se reconhece
o meu pior e o meu melhor e os seus
ficaram sem ser apresentados.



Martha Medeiros

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009


O Dom de Ouvir
Helena Kolody

Ouvir
como quem abraça e beija
a alma solitária
dos que ninguém escuta.

Ouvir com o coração
a confidência,
a queixa,
a longa história
dos isolados
pela indiferença alheia.

Ouvir com os olhos
e afirmar:
eu compreendo.

Nem é preciso dizer nada.




Confissão
Cecília Meireles
(A Afonso Duarte)

Na quermesse da miséria,
fiz tudo o que não devia:
se os outros se riam, ficava séria;
se ficavam sérios, me ria.

(Talvez o mundo nascesse certo;
mas depois ficou errado.
Nem longe nem perto
se encontra o culpado!)

De tanto querer ser boa,
misturei o céu com a terra,
e por uma coisa à-toa
levei meus anjos à guerra.

Aos mudos de nascimento
fui perguntar minha sorte.
E dei minha vida, momento a momento,
por coisas da morte.

Pus caleidoscópio de estrelas,
entre cegos de ambas as vistas.
Geometrias imprevistas,
quem se inclinou para vê-las?

(Talvez o mundo nascesse certo;
mas evadiu-se o culpado.
Deixo meu coração - aberto,
à porta do céu - fechado.)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009


Soneto do Só
(Parábola de Malte Laurids Brigge)
Vinicius de Moraes

Depois foi só. O amor era mais nada
Sentiu-se pobre e triste como Jó
Um cão veio lamber-lhe a mão na estrada
Espantado, parou. Depois foi só.

Depois veio a poesia ensimesmada
Em espelhos. Sofreu de fazer dó
Viu a face do Cristo ensangüentada
Da sua, imagem - e orou. Depois foi só.

Depois veio o verão e veio o medo
Desceu de seu castelo até o rochedo
Sobre a noite e do mar lhe veio a voz

A anunciar os anjos sanguinários...
Depois cerrou os olhos solitários
E só então foi totalmente a sós.

Escreva-me
Florbela Espanca

Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!

"Amo-te!" Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então... brandas... serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009


Velejar
Alphonsus de Guimaraens Filho

Velejar para onde?
Para que mundo, acaso,
se esse mundo se esconde
ou nos chega com atraso?

Velejar para que,
se essa mesma distancia
que o coração antevê
com tão profunda ânsia

a nada mais conduz
que ao grande desalento
de ver que tudo é luz
dispersa em água e vento?


É pela tarde, quando a luz esmorece
E as ruas lembram singulares colméias,
Que a alegria dos outros me entristece
E aguço o faro para as dores alheias.

Um que, impaciente, para o lar regresse,
As viaturas que se cruzam cheias
Dos que fazem da vida uma quermesse,
São para mim, faminto, odor de ceias.

Sentimento cruel de quem se afasta,
Por orgulho repele, e se desgasta
No esforço de fugir à multidão.

Mas castigo de quem, por imprudente,
Já não pode deter-se na vertente
Que vai da liberdade à solidão.



Reinaldo Ferreira





Amor
Menotti Del Picchia

Receios, desejos,
promessas de paraísos,
depois sonhos, depois risos,
depois beijos!

Depois...
E depois, amada?
Depois dores sem remédio,
depois pranto, depois tédio,
depois... nada!

A Hora do Cansaço
Carlos Drummond de Andrade

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.


Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009



Meu fado, meu doce amigo
Meu grande consolador
Eu quero ouvir-te rezar,
Orações à minha dor!

Só no silêncio da noite
Vibrando perturbador,
Quantas almas não consolas
Nessa toada d'amor!

Cantando p'r uma voz pura
Eu quero ouvir-te também
P'r uma voz que me recorde
A doce voz do meu bem!

Pela calada da noite
Quando o luar é dolente
Eu quero ouvir essa voz
Docemente... docemente...


Florbela Espanca

terça-feira, 1 de dezembro de 2009














As Minhas Rosas
Friedrich Nietzsche

Sim! a minha ventura quer dar felicidade;
Não é isso que deseja toda a ventura?
Quereis colher as minhas rosas?
Baixai-vos então, escondei-vos,
Entre as rochas e os espinheiros,
E chupai muitas vezes os dedos.
Porque a minha ventura é maligna,
Porque a minha ventura é pérfida.
Quereis apanhar as minhas rosas?