quarta-feira, 30 de março de 2011

Seiscentos e Sessenta e Seis
Mario Quintana

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ªfeira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.




















Depois de um Tempo
Veronica A. Shoffstall

Depois de algum tempo você percebe a diferença
A sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.

E você aprende que amar não significa apoiar-se
E companhia não quer sempre dizer segurança

E você começa a aprender que beijos não são contratos
E presentes não são promessas

E você começa a aceitar suas derrotas
Com a cabeça erguida e seus olhos adiante
Com a graça de um adulto, não a tristeza de uma criança

E você a prende a construir todas as estradas hoje
Porque o terreno do amanhã é demasiado incerto para planos,
E futuros têm o hábito de cair no meio do vôo

Depois de um tempo você aprende
Que até mesmo a luz do sol queima se você a tiver demais
Então você planta seu próprio jardim e enfeita sua alma
Ao invés de esperar que alguém lhe traga flores

E você aprende que você realmente pode resistir...
Você realmente é forte
Você realmente tem valor

E você aprende, e você aprende...
Com cada adeus você aprende

sábado, 26 de março de 2011




















Esboço
Gilka Machado

Teus lábios inquietos
pelo meu corpo
acendiam astros...
e no corpo da mata
os pirilampos
de quando em quando,
insinuavam
fosforescentes carícias...
e o corpo do silêncio estremecia,
chocalhava,
com os guizos
do cri-cri osculante
dos grilos que imitavam
a música de tua boca...
e no corpo da noite
as estrelas cantavam
com a voz trêmula e rútila
de teus beijos...


Fico tão cansada às vezes,
e digo pra mim mesma que está errado,
que não é assim, que não é este o tempo,
que não é este o lugar,
que não é esta a vida.

Caio Fernando Abreu

Lugar
Adilson Marques

Na estação
submerso em pensamentos
espero o trem.

O único
que me levará
se não for agora, jamais irei.

Vejo no alto das colinas verdejantes,
trem partiu.
Corro com todas as forças.
Grito!
Silêncio!

Preciso alcançá-lo.
Talvez consiga.
Preciso chegar
nesse lugar.

segunda-feira, 21 de março de 2011

aquela meio estrábica com um vestido bordado
jura que me viu com um vigarista no último verão

aquele de terno claro e cabelo implantado na testa
jura que fiz gato e sapato do meu analista

aquela morena com bolsa combinando com o escarpim
jura que me endividei para ter um carro blindado

por mais que eu procure ser pontual nas festas
minha reputação chega sempre antes de mim


Martha Medeiros




















clamamos e pedimos a Deus, por favor
quero esquecê-lo, quero tirá-lo do meu coração
uma oração, uma promessa, diga-me, Senhor, o preço
a penitência, quantas valsas e dores, revele-me
a conduta adequada, a reza que vai desertá-lo

choramos e rogamos a Deus, por favor
uma explicação, como pude esquecê-lo tão rápido
depois de um amor tão intenso e profundo e caro
diga-me, Senhor, a parte do Evangelho, se fico de joelhos
quantas missas, Senhor, para recordá-lo

Martha Medeiros

domingo, 13 de março de 2011

Venha quando quiser.
Ligue, chame, escreva.
Tem espaço na casa
e no coração,
só não se perca de mim...

Caio Fernando Abreu

sábado, 12 de março de 2011

Penso, com mágoa, que o relacionamento da gente
sempre foi um tanto unilateral,
sei lá, não quero ser injusto nem nada –
apenas me ferem muito esses teus silêncios.

Caio Fernando Abreu
Sarça Ardente
Helena Kolody

No esplendor
de uma língua de fogo,
AQUELE QUE É
clama o nosso nome.

Despojamento pungente
de pisar com os pés desnudos
a ardente aspereza
do solo sagrado
Janelas
Roseana Murray

Em todas as janelas me debruço,
em todos os abismos
estendo uma corda
e caminho sobre o nada.
Também ando sobre as águas,
subo em nuvens,
galgo intermináveis escadas.
Abro todas as portas
e cavernas com um sopro
ou três palavras mágicas.
Mergulho em torvelinhos,
danço no meio do vento,
pulo dentro da tempestade.
Em cada encruzilhada me sento
e tento arrumar o destino,
estranho castelo de areia

segunda-feira, 7 de março de 2011


Alta Tensão
Bruna Lombardi

eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.

domingo, 6 de março de 2011

Sinos
Roseana Murray

quando estava só
nos meus vastos campos
de machucadas orquídeas
e silêncio
e à noite bebia em taças opacas
estrelas líquidas e passado
e o vento do deserto
me alcançava trazendo
o rumor dos mortos
você chegou
com vassoura de luz
varreu a casa e limpou os sinos

terça-feira, 1 de março de 2011

A Carta
Mario Quintana

Quando completei quinze anos,
meu compenetrado padrinho
me escreveu uma carta muito, muito séria:
tinha até ponto-e-vírgula!
Nunca fiquei tão impressionado na minha vida.