terça-feira, 30 de junho de 2009


O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 29 de junho de 2009


Quando Eu Disser Adeus...
Alphonsus de Guimaraens Filho

Quando eu disser adeus, amor, não diga
adeus também, mas sim um "até breve";
para que aquele que se afasta leve
uma esperança ao menos na fadiga

da grande, inconsolável despedida...
Quando eu disser adeus, amor, segrede
um "até mais" que ainda ilumine a vida
que no arquejo final vacila e cede.

Quando eu disser adeus, quando eu disser
adeus, mas um adeus já derradeiro,
que a sua voz me possa convencer

de que apenas eu parti primeiro,
que em breve irá, que nunca outra mulher
amou de amor mais puro e verdadeiro.

Soneto à Tua Volta
JG de Araújo Jorge

Voltaste, meu amor... enfim voltaste!
Como fez frio aqui sem teu carinho....
A flor de outrora refloresce na haste
que pendia sem vida em meu caminho.

Obrigado... Eu vivia tão sozinho...
Que infinita alegria, e que contraste!
-Volta a antiga embriaguez porque voltaste
e é doce o amor, porque é mais velho o vinho!

Voltaste... E dou-te logo este poema
simples e humilde repetindo um tema
da alma humana esgotada e envelhecida...

Mil poetas outras voltas celebraram,
mas, que importa? – se tantas já voltaram
só tu voltaste para a minha vida...

domingo, 28 de junho de 2009


Crianças
Helena Kolody

Brincam à margem da correnteza.
Não indagam a origem do rio.
Amam esta água necessária.
Aceitam o mistério sem surpresa.

Desarvorado Navio
JG de Araújo Jorge

A verdade é que depois que tu partiste
vou ficando cada vez mais triste,
cada vez mais morto,
de amor em amor, como um navio
de porto em porto...

Nesta angústia em que morro,
a olhar o céu vazio,
sem uma estrela para me guiar,
tenho a impressão de que vou acabar, como esse navio,
soçobrando, sem socorro,
na solidão do mar...

Toledo
Florbela Espanca

Diluído numa taça de ouro a arder
Toledo é um rubi. E hoje é só nosso!
O sol a rir... Vivalma... Não esboço
Um gesto que me não sinta esvaecer...

As tuas mãos tateiam-me a tremer...
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço,
É como um jasmineiro em alvoroço
Ébrio de sol, de aroma, de prazer!

Cerro um pouco o olhar, onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo
- Um grande amor é sempre grave e triste.

Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo...
Uma torre ergue ao céu um grito agudo...
Tua boca desfolha-me num beijo...

Sou uma mulher madura
Que às vezes anda de balanço

Sou uma criança insegura
Que às vezes usa salto alto

Sou uma mulher que balança
Sou uma criança que atura.

Martha Medeiros

Os Lírios
Henriqueta Lisboa

Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila.

sábado, 27 de junho de 2009


Cantiga de Recordar
Helena Kolody

Doce lembrança orvalhada
de madrugadas antigas.

Fumaça de chaminé
subindo na manhã fria.

Florida malva-rosa
debruçada no jardim.

Uma revoada de sonhos
Na vida que amanhecia

Cantiga de recordar...
Ai que saudades de mim!

Vento
JG de Araújo Jorge

Teu amor entrou na minha vida
violentamente,
como um sopro de vento abrindo uma janela
de repente.

Teu amor desarrumou meu Destino,
arrancou das paredes velhos retratos queridos,
e quebrou uma jarra no canto da minha
alma,
cheia de rosas,
cheia de sonhos...

Depois...
Teu amor saiu da minha vida, de repente,
como um sopro de vento fechando uma porta
violentamente...

Serenidade
JG de Araújo Jorge


Cheguei em fim a essa serenidade
de quem sorri condescendente,
do homem que não pragueja, na vaidade
de impor aquilo que hoje pensa ou sente...


Desprezo a inútil religiosidade
e o fanatismo histérico de um crente...
Nem vestirei jamais a liberdade
nos dogmas de uma força onipotente!


Não afirmo mentiras nem me exalto,
toda verdade por mais forte é incerta
e não convenço por falar mais alto...


Libertei-me! E afinal concluí, na vida,
que a verdadeira voz que se liberta
não afirma nem nega... mas duvida!

Namorados
JG de Araújo Jorge

Um ao lado do outro, - assim juntinhos,
mãos enlaçadas num enlevo infindo,
- seguem... a imaginar que estão seguindo
o mais suave de todos os caminhos...

Com gravetos de sonho vão construindo
na terra, como no ar os passarinhos,
a esplêndida ilusão de um mundo lindo,
entre beijos, sorrisos e carinhos...

Nada tolda os seus sonhos... Nem um véu...
Andam sem ver os lados, vendo o fim
e o fim que vêem é o azul do céu...

Ah! se a gente, tal como namorados,
pudesse eternamente andar assim
pela vida a sonhar de braços dados!

A Noite
Gabriela Mistral

Para que durmas, meu filho,
não há mais luz: é sol posto,
não há mais brilho que o orvalho,
mais brancura que meu rosto

Para que durmas, meu filho
o caminho emudeceu,
soluça apenas o rio,
nada existe senão eu.


Desfez-se a planície em névoa,
Tolheu-se o suspiro azul.
Pousou com dedos leves,
por sobre o mundo, a quietude.

Não embalei tão somente
ao meu filho com o meu canto:
ia a terra adormecendo
ao vai-vem desse acalanto.

Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla umidade das bocas.

Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.

Raul de Carvalho

Canção Suspirada
Cecília Meireles

Por que desejar libertar-me,
se é tão bom não ver o teu rosto,
se ando no meu sonho como,num rio,
alguém que é feliz e está morto?

Por que pensar em qualquer coisa,
se tudo está sobre a minha alma:
vento,flores, águas, estrelas,
e músicas de noite e albas?

Nos céus em sombra há fontes mansas
que em silêncio e esquecida bebo.
Flui o destino em minha boca
e a eternidade entre meus dedos...

Por que fazer o menor gesto,
se nada sei, se nada sofro,
se estou perdida em mim, tão perdida
como o som da voz de seu sopro?

Onde Estão as Violetas
Cecília Meireles

Onde estão as violetas?
Na mão de etéreos meninos
Que enterram flores na areia,
Na areia consecutiva.

Túmulos de beija-flores
São essas vagas colinas
Sem consistência nenhuma
Sob as mãos inconsistentes
Que vão plantando violetas,
Violetas consecutivas.

Mudam de cor as violetas,
Vão sendo róseas e brancas,
E irão desaparecendo
Por ilusórios caminhos
Como, sem rosto, os meninos,
Meninos consecutivos.

Em tempos consecutivos
Quem pode ver esse mundo
Só de meninos, areias,
Túmulos de beija-flores
E sombras de violetas?

Na rua sossegada onde moro, - à tardinha,
quando em sombras o céu lentamente escurece,
- um piano solitário, em surdina, - parece
acompanhar ao longe a tarde que definha...

Nessa hora, em que de manso a noite se avizinha,
seus acordes pelo ar tem murmúrios de prece...
- Ah! Quem não traz como eu também, na alma sozinha,
um piano evocativo que nos entristece?

Há sempre um velho piano de bairro, esquecido
na memória da gente, - e que nas tardes mansas
sonoriza visões de outrora ao nosso ouvido.

Seus monótonos sons, seus estudos sem cor,
repetem no teclado branco das lembranças
o inconcluso prelúdio de um longínquo amor!

J. G. de Araújo Jorge

Idílio Quase Esquecido
Colombo de Souza

Na paisagem me esqueci,
além do florido muro;
o sonho era muito branco,
mas o destino era escuro...
Resta a memória apagadado
mundo em que me procuro:

Eis as rosas que componho
- rosas que plantei nos olhos,
rosas que colhi no sonho.

Decifro o mural da noite
no luar marmorizado
- entre o milagre das rosas
e o branco mel entornado
sobre o tapete do sono:

Eis as rosas que componho
- rosas que plantei nos olhos,
rosas que colhi no sonho.

Epigrama Nº 3
Cecília Meireles

Mutilados jardins e primaveras abolidas
abriram seus miraculosos ramos
no cristal em que pousa a minha mão.

(Prodigioso perfume!)

Recompuseram-me tempos, formas, cores, vidas...

Ah! mundo vegetal, nós, humanos, choramos
só de incerteza da ressurreição

Retrato Antigo
Helena Kolody

Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?

A Bíblia
Miguel Reale

“Se nela se procura tudo se acha”,,
assim pensam alguns desmerecê-la,
mas se ela é a porta para os infinitos
destinos do homem, busca-se a verdade

no trânsito do homem para Deus
na carência de todos os caminhos,
o ser do homem em transe retalhado,
pétalas aspirando à oculta rosa.

Toda tragédia humana a evolver-se
desde a fé de Abraão, que arde e crepita,
ao ritualismo frio de um levita.

Sensação absurda de perder-se
ao tentar-se a escada de Jacó
vendo-se só, perdidamente só.

Sensibilidade
Helena Kolody

Meu coração,
Um quarto de espelhos,
Reflete e multiplica,
Infinitamente,
Uma impressão.
Eco dos longos corredores desertos,
Repete e amplifica,
Misteriosamente,
Uma palavra.
Frasco de Perfume
Raro,Guardou,
Para sempre,
Um leve aroma da essência que encerrou.

sexta-feira, 26 de junho de 2009


Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguem achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.

Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.

Melhor entre onde os ramos
Tecem dosséis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer,
Dando o que nunca damos.

Fernando Pessoa

Embalando
Gabriela Mistral
(tradução Henriqueta Lisboa)

Balança o mar suas ondas
de praia em praia.
Ouvindo os mares amantes
meu filho embalo.

Balança o vento na noite
longe, os trigais.
Ouvindo os ventos amantes
meu filho embalo.

Balança Deus em silêncio
os seus mundos, aos milhares.
Sentindo-lhe a mão na sombra
meu filho embalo.

Medo
Gabriela Mistral
(tradução de Henriqueta Lisboa )

Não quero que minha filha
se transforme em andorinha.
Para o céu iria voando
sem baixar à minha esteira.
Nos beirais faria ninho
sem a pentearem meus dedos.
Não quero que minha filha
se transforme em andorinha.

Não quero que minha filha
se mude numa princesa.
Calçando sandálias de ouro
não brincaria no prado.
E quando a noite descesse
não dormiria a meu lado.
Não quero que minha filha
se mude numa princesa.

E menos quero que um dia
ela venha a ser rainha.
Sentá-la-iam num trono
a que meus pés não alcançam.
E quando a noite chegasse,
niná-la eu não poderia.
Não quero que minha filha
venha um dia a ser rainha.

quinta-feira, 25 de junho de 2009


Vesperal
Antônio Sardinha

Se eu te pintasse, posta na tardinha,
pintava-te num fundo cor de olaia,
na mão suspensa, nessa mão que é minha,
o lenço fino acompanhando a saia!

Vejo-te assim, ó asa de andorinha,
em ar de infanta que perdeu a aia,
envolta numa luz que te acarinha,
na luz que desfalece e que desmaia!

Com teu encanto os dias me adamasques,
linda menina ingénua de Velásquez
a flutuar num mar de seda e renda.

Deixa cair dos lábios de medronho
a perfumada voz do nosso sonho,
mas tão baixinho que só eu entenda.

A Minha Piedade
Florbela Espanca

Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalço pela vida;

Da rocha altiva , sob o monte erguida,
Olhando os Céus ignotos frente à frente;
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensanguentam na subida!

Tenho pena de mim...pena de ti...
De não beijar o riso duma estrela...
Pena dessa má hora em que nasci...

De não ter asas para ir ver o Céu...
De não ter Esta...a Outra...e mais Aquela...
De ter vivido, e não ter sido Eu...

O Dom de Sonhar
Helena Kolody

A esperança engana.
Mente o sonho.
Eu sei.

Que mentiras lindas
eu mesma inventei
e contei pra mim...

Solau à Moda Antiga
Mario Quintana


Senhora, eu vos amo tanto
Que até por vosso marido
Me dá um certo quebranto...


Pois que tem que a gente inclua
No mesmo alastrante amor
Pessoa, animal ou cousa.
Ou seja lá o que for,
Só porque os banha o esplendor
Daquela a quem se ama tanto?
E sendo desta maneira
Não me culpeis, por favor,
Da chama que ardente abrasa
O nome de vossa rua,
Vossa gente, vossa casa.

E vossa linda macieira
Que ainda ontem deu flor...

Alegrias
Helena Kolody

As alegrias passam por mim
qual um sonoro bando de aves brancas
por sobre o espelho do mar.

A superfície vibra de inquietas imagens.
Mas, a profundeza é sempre a mesma.
Sempre a mesma.
E é eternamente a mesma a direção das vagas.

Ausência
Sophia de Mello Breyner Andresen

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

A Bailarina
Cecília Meireles


Esta menina
Tão pequenina
Quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
Mas sabe ficar na ponta do pé.


Não conhece nem mi nem fá
Mas se inclina para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si
Mas fecha os olhos e sorri.


Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
E não fica tonta nem sai do lugar.


Põe no cabelo uma estrela e um véu
E diz que caiu do céu.


Esta menina
Tão pequenina
Quer ser bailarina.


Mas depois esquece todas as danças,
E também quer dormir como as outras crianças.

Epigrama
Cecília Meireles


Narciso, foste caluniado pelos homens,
por teres deixado cair, uma tarde, na água incolor,
a desfeita grinalda vermelha do teu sorriso.


Narciso, eu sei que não sorrias para teu vulto, dentro da onda:
sorrias para a onda, apenas, que enlouquecera, e que sonhava
gerar no ritmo do seu corpo, ermo e indeciso,


a estátua de cristal que, sobre a tarde, a contemplava,
florindo-a para sempre, com o seu efêmero sorriso...

Bom dia, amigo Sol
JG de Araújo Jorge

Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara,
- deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entre! Vem surpreendê-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara...
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne é branca como a Lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito,
- de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!..

Supremo Enleio
Florbela Espanca

Quanta mulher no teu passado, quanta!

Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta!

Quanta!Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...

quarta-feira, 24 de junho de 2009


Contra Senso
Marta de Mesquita da Câmara


Oh! meu amor,escuta, estou aqui.
Pois o teu coração bem me conhece:
eu sou aquela voz que, em tanta prece
endoideceu, chorou, gemeu por ti!

Sou eu, sou eu que ainda não morri.
- nem a morte me quer, ao que parece -
e vinha renovar se ainda pudesse
as horas dolorosas que vivi.

Oh! que insensato e louco é quem se ilude!
Quis fugir, esquecer-te, mas não pude...
Vê lá do que teus olhos são capazes!

Deitando a vista pelo mundo além

desisto de encontrar na vida um bem
que valha o mal que tu me fazes!

terça-feira, 23 de junho de 2009


De mãos dadas...
JG de Araújo Jorge

Ando na vida de mãos dadas
com a tua lembrança

- E para que falar em esperança?

Não sei aonde me levará esta ansiedade.
Ou esta melancolia
cheia de umidade,
a me envolver como uma cerração...
Para a loucura?
Para a felicidade?
Ou para este morrer de cada dia
de quem vai tateando em noite escura...
... cego de coração?

Que fazer? Ando na vida
de mãos dadas com a tua lembrança
como quem anda
perdido, andando em vão...

Ando na vida de mãos dadas
com a tua lembrança,
a fazer roda em silêncio... numa triste ciranda
sem canção...

Desiludido
Alceu Wamosy

Por que ter hás de aquecer ao sol dessa esperança
nova, que despontou na tua alma ingênua e crente?
Se ela é como sorriso em lábio de criança,
que se há de transformar em pranto, de repente...

A ventura completa, é céu que não se alcança,
mas que a gente vislumbra, além, perpetuamente:
esse céu mentiroso é céu que foge e avança,
se é maior ou menor a aspiração da gente.

Sê simples e sê bom, mas não julgues que um dia,
hás de o teu coração, repleto de alegria,
para sempre fechar, como quem fecha um cofre!

Crê que a desilusão é o sonho pelo avesso,
e que só se é feliz, dando-se o mesmo apreço
ao gozo que se goza, e à mágoa que se sofre!

segunda-feira, 22 de junho de 2009


Verdadeiramente
Fernando Pessoa

Verdadeiramente
Nada em mim sinto.
Há uma desolação
Em quanto eu sinto.
Se vivo, parece que minto.
Não sei do coração

Outrora, outrora
Fui feliz, embora
Só hoje saiba que o fui.
E este que fui e sou,
Margens, tudo passou
Porque flui.



Flor na Correnteza
Helena Kolody

Solto a flor na correnteza.

Longe, alguém desconhecido
Faz um gesto distraído
E colhe a flor de surpresa.

Cartas Antigas
Helena Kolody

Falam cartas antigas,
ressucitam o esquecido.

Volta o passado nas datas,
extintas vozes acordam
marulha um mar perecido.

A Eleita do Fantasma
Cecília Meireles

Por que eu te quero tanto, tanto,
Depois de tanto desencanto,
Depois de tanto, tanto pranto?

Oiço-te a voz no lento vento
Que anda comigo, sonolento,
Pela tormenta, num tormento...

E, ouvindo o vento, sinto, sinto
A noite como um labirinto
Envolvendo o meu corpo extinto...

Na grande treva que amedronta,
Minha alma tonta, tonta, tonta,
Os sonhos mortos, mortos, conta...

E faz perguntas, faz perguntas...
Quer saber das vidas defuntas
Que antigamente andavam juntas...

Quando Chegares
JG de Araújo Jorge

Não sei se voltarás,
sei eu te espero.

Chegues quando chegares,
ainda estarei de pé, mesmo sem dia,
mesmo que seja noite, ainda estarei de pé.

A gente sempre fica acordado
nessa agonia,
à espera e um amor que acabou sendo fé...

Chegues quando chegares,
se houver tempo, colheremos ainda frutos, como ontem,
a sós;
se for tarde demais, nos deitaremos à sombra
e perguntaremos por nós...

Consolo Inútil
JG de Araújo Jorge

Feliz ou infeliz,
continuarei te falando de amor
(mesmo que não queiras)
- nos versos que te fiz
ou te farei...

Basta para mim, que os releias às escondidas,
sozinha,
e sofras porque não és
tu que já foste minha...

Pranto
Helena Kolody

Às vezes, soluço por mim,
como se pranteia alguém
que há muito deixou de existir.

A Um Livro
Florbela Espanca

No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste é meu, e salma
As orações que choro e rio e canto! ...

Poeta igual a mim, ai que me dera
Dizer o que tu dizes! ... Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto! ...


Cavalo Branco
Cecília Meireles


Cavalo branco
De crinas de ouro
Buscando o trevo
Entre as margaridas,

Que é da fortuna
Da donzelinha
Solta da sela
Em várzeas antigas?

E as velhas fontes
Contam histórias,
Tristes, risonhas,
De terras perdidas,

E as lavadeiras
Detrás dos muros
Cantam, muito alto,
Chorosas cantigas.

Cavalo branco
De crinas de ouro,
Mostra-me o trevo
Entre as margaridas!


Cantiga Outonal
Cecília Meireles

Outono. As árvores pensando...
Tristezas mórbidas no mar...
O vento passa, brando... brando...
E sinto medo, susto, quando
escuto o vento assim passar.

Outono. Eu tenho a alma coberta
de folhas mortas, em que o luar
chora, alta noite, na deserta
quietude triste da hora incerta
que cai do tempo, devagar...

Outono. E quando o vento agita,
agita os galhos negros, no ar,
minha alma sofre e põe aflita,
na inconsolável, na infinita
pena de ter de se esfolhar...

Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes

Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Espera
JG de Araújo Jorge

Se tivesse mandado uma palavra: - "espera!"
Sem mais nada, nem mesmo explicar até quando,
eu teria ficado até hoje esperando...
- era a eterna ilusão de que fosses sincera...

Que importa a vida, o Sol, a primavera,
se eras a vida, o Sol, a flor desabrochando?
Se tivesses mandado uma palavra: - "espera!"
eu teria ficado até hoje esperando...

Não mandaste, tu nada disseste, e eu segui
sem saber que fazer da vida que era tua
procurando com o mundo esquecer-me de ti...

E afinal o destino, irônico e mordaz,
ontem, fez-me cruzar com o teu olhar na rua,
ouvir dizer-te: - "espera!..." E ser tarde demais...