terça-feira, 1 de junho de 2010

Ofélia
Henriqueta Lisboa

Um rio longo, verde escuro
sustém o corpo de Ofélia.
Longos cabelos emolduram
a forma branca, esquiva e débil
suspensa ao balanço da água.
Por entre espumas e sargaços
desabrocha o rosto de nácar.
Agora o busto de onda se ergue,
resvala o fino tronco, os membros
esvaem-se trêmulos, trêmulos.

Debruço-me sobre o rio
para salvá-la. E então me perco.
Meus olhos já não podem vê-la
nublados de bolhas e liquens.
Meus braços não mais a alcançam
hirtos do pavor da morte.

Ofélia, serena, dorme.
E sonha. Nas praias últimas
um anjo lhe enxuga as tranças.
Um anjo a recolhe e adverte
da inanidade de tudo.

E enquanto se eterniza Ofélia,
para Ofélia desapareço.

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