segunda-feira, 27 de junho de 2011





















Lisbon Revisited
Álvaro de Campos
 
Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!


Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?


Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?


Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.


Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Lençóis nos varais
esvoaçantes pingando
num dia sem sol

Luna

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Estrela Cadente
Roseana Murray

Quando eu estiver
com o olhar distante,
maninha,
com um jeito esquisito
de quem não está presente,
não se assuste,
ó maninha,
fui logo ali,
no quintal do céu,
colher uma estrela cadente.
Música
Mario Quintana

O que mais me comove em música
São essas notas soltas
– pobres notas únicas –
Que do teclado arranca o afiador de pianos.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Manhã de Chuva na Infância
Cecília Meireles

Ao longo do muro, as campânulas escorrem,
gelatinosas,
ainda coradas,
ainda cheirosas,
e já mortas.

Eu sou a menina que vai para a escola
com seu casaquinho vermelho,
e os seus livros forrados de papel azul.

A chuva continua a bater nas flores,
a avivar as cores dos muros,
a gorgolejar nas calhas,
a correr para os negros bueiros.

Eu sou a menina que vai para a escola
feliz, com os cabelos molhados
e o rosto frio.

A chuva é uma alegria, com suas agulhas de vidro
voando por todos os lados.
A chuva cheira a jasmim e a flor "boa-noite!"

Eu sou a menina que de repente fica triste,
porque ao longo do muro as campânulas escorrem,
gelatinosas,

cor de coral, cor de marfim,
perfumadas ainda,
e já mortas.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Tenho silêncios,
Embrulhados em segredos.
Silêncios mudos,
Que se lêem em meus olhos.
Silêncios cúmplices,
Partilhados
Entre confidências e quimeras.
Mas os meus prediletos,
São aqueles que me provocam
Sorrisos na alma ...

Bruno de Paula

Talvez esta dor ...
Não seja mais do que um certo silêncio.
O silêncio de alguns capítulos,
Que no decorrer de nossas vidas
A saudade sublinhou ...

Bruno de Paula
Epigrama Nº 11
Cecília Meireles

A ventania misteriosa
passou na árvore cor-de-rosa,
e sacudiu-a como um véu,
um largo céu,na sua mão.

Foram-se os pássaros para o céu.
Mas as flores ficaram no chão.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Maria
Mario Quintana

Que linda estavas no dia
Da Primeira Comunhão,
Toda de branco, Maria,
Com rosas brancas na mão.

Nossa Senhora esquecia
Ao ver-te, a sua aflição,
E eu, contrito – que heresia! –
Te rezava uma oração.

Pois quando te vi, de joelhos,
Pousar os lábios vermelhos
Nos pés do Cristo, supus

Que eras Santa Terezinha,
A mais linda e mais novinha
Das esposas de Jesus.

(1923)
O Colegial
Mario Quintana
 

O vento passa lá fora
e eu, no quadro negro imóvel
- ó muro de fuzilamento!
Morro sem dizer palavra.
O professor parece triste,
talvez por outros motivos.
Manda sentar-me
e eu carrego
ó almazinha assustada,
um zero, como uma auréola...
Rezai, rezai pelas alminhas
dos meninos fuzilados!
Por que é que nos ensinam
tanta coisa?
Eu queria saber contar
só com os dedos da mão!
O resto é complicação,
um nunca mais acabar.
Eu queria mesmo era poder estudar
teu corpo todo com a mão
até sabê-lo de cor
– como um ceguinho...
E o vento passa lá fora
com a sua memória em branco.
O que ele viu, nem recorda...
e eu nada vi: só adivinho!

A moça do vestido azul
rompeu o laço,
descalçou as sandálias,
apertou o passo,
e foi atrás do arco-íris...

Luna
Invitation au Voyage
Mario Quintana

Se cada um de vós, ó vós outros da televisão
- vós que viajais inertes
como defuntos num caixão -
Se cada um de vós abrisse um livro de poemas...
Faria uma verdadeira viagem...
Num livro de poemas se descobre de tudo, de tudo mesmo!
- Inclusive o amor e outras novidades.

domingo, 5 de junho de 2011

Volúpia
Florbela Espanca

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...