domingo, 31 de janeiro de 2010

Confissão
Mario Quintana

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Gioconda
Mario Quintana

Descobri o famoso mistério
Do teu sorriso, Gioconda...
Pensando bem,
É o mesmo sorriso que tem
Essa gente sempre de boca fechada
De tanta gente no mundo...
O que há nisso de profundo? É apenas
Porque já perderam todos os dentes!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010


Lagoa
Carlos Drummond de Andrade

Eu não vi o mar
Não sei se o mar é bonito,
Não sei se lê é bravo.
O mar não me importa

Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
E calma também.
Na chuva de cores
Da tarde que explode
A lagoa brilha
A lagoa se pinta
De todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010


O Amor Eterno
Mario Quintana

Dante se enganou: Paolo e Francesca
Continuariam bem juntinhos no Inferno, com pecado e tudo
Juntinhos e felizes!
Mas quem sabe se não seria este mesmo o castigo divino?
Um amor que jamais pudesse terminar...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010


Tenho duas, três, quantas?
São várias dentro de mim
Já não suporto acordar sendo careta
E depois do almoço
Vestir renda vermelha e no final da tarde
Buscar os filhos no colégio e à noite renda preta


Martha Madeiros

Por todos os lados,
O mar me rodeia:
Me deixa recados
Escritos na areia.

Das águas sou filha:
Nasci de um beijo de espuma
Em redor de alguma
Silenciosa ilha.

Maravilha, maravilha
Da espuma em pedra serena:
A água nos meus olhos brilha,
Da pedra é que sou morena.



Cecília Meireles

É Preciso Não esquecer Nada
Cecília Meireles

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.




Linha Reta
(A Cassiano Ricardo)
Cecília Meireles

Não tenteis interromper o pássaro que voa em linha reta
de leste a oeste. Alto e só.

Não lhe pergunteis se avista cidades, mares, pessoas
ou se tudo é um liso deserto. Vasto e só.

Ele não passa para contemplar essas coisas do mundo.
Ele vem de leste, ele vai para oeste. Alto e só.

Ele vai com sua música dentro dos olhos fechados.
Quando chegar ao fim, abrirá os olhos e cantará sua música.
Vasta e só.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010


Uma mordidinha para sentir o gosto
Um cheirinho para sentir o perfume
Um beijinho rápido, uma ilusãozinha
A quantos basta uma amostra grátis

Não consigo molhar os pés apenas
Eu mergulho e só paro quando me afogo
Eu me queimo e só paro quando derreto
Eu me jogo e só paro quando me param.


Martha Medeiros

Ternura-Menina
Helena Kolody

Saudade,
ternura-menina,
lua cheia sobre o mar.

Navego no seu quebranto,
Sem vontade de voltar.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010


Receita de Inventar Presentes
Roseana Murray

Colher braçadas de flores
bambus folhas e ventos
e as sete cores do arco-íris
quando pousam no horizonte
juntar tudo num instante
num caldeirão de magia
e então inventar um pássaro louco
um novo passo de dança
uma caixa de poesia

Medida da Significação
Cecília Meireles

Voz obstinada, por que insiste chamando
por um nome que não corresponde mais a mim?

Não é do meu propósito que fiques ao longe sozinha.
Nem tu sabes que espécie de saudade abrolha na noite
e como o silêncio tenta mover-se inutilmente,
quando diriges teus ímãs sonoros,
sondando direções!

Não é do meu propósito, ó voz obstinada,
mas da minha condição,
As aparências dispersaram-se de mim,
como pássaros:
que sol se pode fixar nesta existência,
para te definir a minha aproximação?

Minhas dimensões se aboliram nos limites visíveis:
como podes saber onde me circunscrevo,
e de que modo me pode o teu desejo atingir?

Eu mesma deixei de entender a minha substância;
tenho apenas os sentimentos dos mistérios que em mim se equilibram.

Como podes chamar por mim como às coisas concretas,
e assegurar-me que sou tua Necessidade e teu Bem?

Sabes quem sou? Eu não sei.
Outrora, onde o nada foi,
Fui vassalo e o rei.
É dupla a dor que me dói.
Duas dores eu passei.

Fui tudo que pode haver.
Ninguém me quis esmolar;
E entre o pensar e o ser
Senti a vida passar
Como um rio sem correr.


Fernando Pessoa

Paisagens, quero-as comigo.
Paisagens, quadros que são...
Ondular louro do trigo,
Faróis de sóis que sigo,
Céu mau, juncos, solidão...
Umas pela mão de Deus,
Outras pelas mãos das fadas,
Outras por acasos meus,
Outras por lembranças dadas...

Paisagens... Recordações,
Porque até o que se vê
Com primeiras impressões
Algures foi o que é,
No ciclo das sensações.

Paisagens... Enfim, o teor
Da que está aqui é a rua
Onde ao sol bom do torpor
Que na alma se me insinua
Não vejo nada melhor.


Fernando Pessoa

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010


Receita Contra Dor de Amor
Roseana Murray

Chore um mar inteiro com todos os seus barcos a vela.
Chore o céu e as suas estrelas os seus mistérios e o
seu silêncio.
Chore um equilibrista caminhando sobre a face de um poema.
Chore o sol e a lua a chuva e o vento para que uma nova
semente entre pela janela adentro.

Aonde
Florbela Espanca

Ando a chamar por ti, demente, alucinada,
Aonde estás, amor? Aonde... aonde... aonde?...
O eco ao pé de mim segreda... desgraçada...
E só a voz do eco, irônica, responde!

Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda!
O vento, aos meus ouvidos, soluça a murmurar;
Parece a tua voz, a tua voz tão linda
Cantando como um rio banhado de luar!

Eu grito a minha dor, a minha dor intensa!
Esta saudade enorme, esta saudade imensa!
E Só a voz do eco à minha voz responde...

Em gritos, a chorar, soluço o nome teu
E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu:
Aonde estás, amor? Aonde... aonde... aonde?...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010


Sonho Morto
Florbela Espanca

Nosso sonho morreu. Devagarinho,
Rezemos uma prece doce e triste
Por alma desse sonho! Vá... baixinho...
Por esse sonho, amor, que não existe!

Vamos encher-lhe o seu caixão dolente
De roxas violetas; triste cor!
Triste como ele, nascido ao sol poente,
O nosso sonho... ai!... reza baixo... amor...

Foste tu que o mataste! E foi sorrindo,
Foi sorrindo e cantando alegremente,
Que tu mataste o nosso sonho lindo!

Nosso sonho morreu... Reza mansinho...
Ai, talvez que rezando, docemente,
O nosso sonho acorde... mais baixinho...


















Depois do Sol
Cecília Meireles

Fez-se noite com tal mistério,
Tão sem rumor, tão devagar,
Que o crepúsculo é como um luar
Iluminando um cemitério...

Tudo imóvel... Serenidades...
Que tristeza, nos sonhos meus!
E quanto choro e quanto adeus
Neste mar de infelicidades!

Ó paisagens minhas de antanho...
Velhas, velhas... Nem vivem mais...
– As nuvens passam desiguais,
Com sonolência de rebanho...

Seres e coisas vão-se embora...
E, na auréola triste do luar,
Anda a lua, tão devagar,
Que parece Nossa Senhora

Pelos silêncios a sonhar...

Dai-me Algumas Palavras
Cecília Meireles

Dai-me algumas palavras,
– porém, somente algumas! –
Que às vezes apetece,
Pelos jardins da areia,
Colher flores de espuma.

Deixai, deixai, secreto,
O silêncio que dorme
Às portas da minha alma,
Guardando os labirintos
E as esfinges enormes.

(O silêncio caído
com seus firmes oceanos,
– onde não há mais nada
dos litorais do mundo
nem do périplo humano!)

O Primeiro Beijo
Roseana Murray

O primeiro beijo inaugura a casa
inaugura o corpo, talha a
primeira pedra do caminho.

Pode e deve ser doce
abelha inventando o mel
pode e deve ser louco
doce vôo louco no corpo
do outro.


A Noite se Torna mais Escura
Emily Brontë
(Tradução de Lúcio Cardoso)

Diante de mim a noite se torna mais escura,
As rajadas do vento são mais frias e selvagens.
E eu, aprisionada a este sortilégio,
Não posso mais partir.

Gigantes, as árvores se arqueiam,
Galhos nus sob a pesada neve;
Já a tempestade inclina mais baixo a sua fronte,
Por isto não posso mais partir.

Sobre mim o espaço e as nuvens;
Os desertos deságuam aos meus pés.
As solidões não me comovem mais;
A vontade se acha extinta,
Não posso mais partir.

Eu sempre te disse que era grande o oceano
Para a nossa pequena barca.
Cantavas, quando eu te dava o desengano
De partir por água tão larga.

Não, tu não devias ter ido.
Mas foi tempo perdido.

Eu sempre te disse que os olhos de um morto
Ficavam nas águas suspensos,
Procurando os vivos, os mastros, o porto,
Na oscilação de águas e ventos.

Não, tu não devias ter ido.
Mas era amor perdido.

Teço velas negras para abarca nova,
Redes de prata para as ondas.
Ensinai-me, peixes, sua funda cova
Nestas escuridões tão longas!

Não, tu não devias ter ido.
E isto é pranto perdido.



Cecília Meireles

Chovia e eu estava como numa floresta de harpas:
que musica tocarão meus inábeis dedos nas águas celestes?

Nós somos uns grandes cometas com véus de acontecimentos
arrastados atrás de nós, e cada dia dilatados.

Nós somos uns solitários faróis projetando-nos sobre a noite.


Deixai-me tocar a musica de hoje, inábil, que fica entre o que passou e
o que talvez não venha.



Cecília Meireles

O Teu Segredo
Florbela espanca

O mundo diz-te alegre porque o riso
Desabrocha em tua boca, docemente
Como uma flor de luz! Meigo sorriso
Que na tua boca poisa alegremente!

Chama-te o mundo alegre. Ai, meu amor,
Só eu inda li bem nessa alegria!...
Também parece alegre a triste cor
Do sol, à tarde, ao despedir-se o dia!...

És triste; eu sei. Toda suavidade
Tão roxa, como é roxa uma saudade
É a tua alma, amor, cheia de mágoa.

Eu sei que és triste, sei. O meu olhar
Descobriu o segredo, que a cantar
Repoisa nos teus olhos rasos d'água!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010


Estâncias
Emily Brontë
(Tradução de Lúcio Cardoso)

Já me reprovaram e volto sempre
Aos primeiros sentimentos que nasceram comigo;
Deixo de correr atrás do ouro e do conhecimento,
Para sonhar apenas com maravilhas impossíveis.

Mas hoje,
Não descerei mais ao império das sombras;
Tenho medo da sua frágil e decepcionante imensidão,
E meu sonho, povoado com legiões inumeráveis,
Torna este mundo sem forma estranhamente próximo.

Caminharei,
E ficarão para trás as antigas veredas do heroísmo,
E os caminhos já exaustos da moralidade,
E o imprevisto aglomerado de faces obscuras,
Ídolos em bruma de um passado já longínquo.

Caminharei,
Onde só agradar à minha alma caminhar,
(Não posso suportar a escolha de outro guia)
Onde os rebanhos se acinzentam no verde das campinas,
Onde o vento alucinado vergasta o flanco das montanhas.

Que pode revelar a montanha solitária?
Nada exprime sua glória e sua dor.
Minha alma dormia, quando a terra despertou,
E o círculo do Céu ao círculo do Inferno

Confundindo-se, à terra deram nascimento

Espreitava em seus olhos uma lágrima,
e em meus lábios uma frase a perdoar;
falou o orgulho, o seu pranto secou,
senti nos lábios essa frase expirar.
Eu vou por um caminho, ela por outro;
mas, ao pensar no amor que nos prendeu,
digo ainda: porque me calei aquele dia?
E ela dirá: porque não chorei eu?


Gustavo Adolfo Bécquer

Sonhando
Florbela Espanca

É noite pura e linda. Abro a minha janela
E olho suspirando o infinito céu,
Fico a sonhar de leve em muita coisa bela
Fico a pensar em ti e neste amor que é teu!

D'olhos fechados sonho. A noite é uma elegia
Cantando brandamente um sonho todo d'alma
E enquanto a lua branca o linho bom desfia
Eu sinto almas passar na noite linda e calma.

Lá vem a tua agora... Numa carreira louca
Tão perto que passou, tão perto à minha boca
Nessa carreira doida, estranha e caprichosa

Que a minh'alma cativa estremece, esvoaça
Para seguir a tua, como a folha de rosa
Segue a brisa que a beija... e a tua alma passa!...

O rio que me percorre já não transborda
Passou a época das chuvas lacrimais
As águas correm lentas, as margens abservam
Ouve-se novamente o som da floresta
Plantas crescendo lentamente
Os frutos podres caindo por terra
Não há nada de novo ou de velho
O tempo deu consciência á minha tristeza



Martha Medeiros


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010





Quem de mim você quer?
Sou boa mãe, esposa exemplar
Profissional respeitada, prendas do lar
Gosto de plantas, sou organizada e sei bordar.

Quem de mim você quer?
Sou meio maluca, danço sozinha
Bebo profissionalmente e não dou vexame
Sou sexy, malandra, boa de cama.

Quem de mim você quer?
Leio até tarde Proust, Balzac, Flaubert
Escrevo poemas, visito escolas
Sou capaz de citar Baudelaire.

Quem de mim você quer?
Faço ginástica, musculação, caminhada
Nado mar adentro, jogo vôlei, frescobol
Novecentos abdominais por semana.

Quem de mim você quer?
Acampo em desertos, não tenho medo de avião
Gosto de Paris, Londres, cidades plurais
Bicicleta, motorhome, pára-quedas, mil milhas.

Quem de mim você quer?
A maternal que atravessa madrugadas insones?
A visceral que não deixa você dormir?
A internacional que fala várias línguas?
Escolha seu percentual de mulher.


Martha Medeiros


quinta-feira, 7 de janeiro de 2010


O que me prejudica
É essa mania de dizer a verdade
Quando deveria mentir
E fingir que estou à vontade
Quando na verdade machuca



Martha Medeiros

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010


Soneto da Hora Final
Vinicius de Moraes

Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos. Tontos de poesia
Para a porta de trevas abertas em frente.

Ao transpor as fronteiras de Segredo
Eu, calmo, te direi: -Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás: -Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.


Soneto a Katherine Mansfield
Vinicius de Moraes

O teu perfume, amada — em tuas cartas
Renasce, azul... — são tuas mãos sentidas!
Relembro-as brancas, leves, fenecidas
Pendendo ao longo de corolas fartas.

Relembro-as, vou... nas terras percorridas
Torno a aspirá-lo, aqui e ali desperto
Paro; e tão perto sinto-te, tão perto
Como se numa foram duas vidas.

Pranto, tão pouca dor! tanto quisera
Tanto rever-te, tanto!... e a primavera
Vem já tão próxima! ...(Nunca te apartas

Primavera, dos sonhos e das preces!)
E no perfume preso em tuas cartas
À primavera surges e esvaneces.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010



Lembro-me ou não? Ou sonhei?
Flui como um rio o que sinto.
Sou já quem nunca serei
Na certeza em que me minto.
O tédio de horas incertas
Pesa no meu coração,
Paro ante as portas abertas
Sem escolha nem decisão.



Fernando Pessoa


Quarenta anos!
Dizem que é quando a vida inicia
A minha vida começou aos 23
Cada um sabe quando começa a sua
Anos vibrantes, conscientes, vivenciados
Anterior a isso foi ensaio: testando, câmbio!
Só quando virei adulta é que aprendi
A ser uma garota sem idade
Quarenta mesmo eu tive bem antes.


Martha Medeiros

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


Por um olhar, um mundo;
por um sorriso, um céu;
por um beijo... não sei
que te daria eu.



Gustavo Adolfo Bécquer